Quando você entra no Túnel da Conceição, em Porto Alegre, há uma placa pedindo educadamente para que não se buzine lá dentro. Não sei quais as implicações, talvez seja o eco reverberando, mas, ainda assim, volta e meia alguém buzina.
O comportamento é praticamente natural. Talvez ninguém tivesse o impulso de buzinar lá, mas quando há um sinal dizendo para não fazê-lo, parece irresistível, a buzina tem que ser pressionada. Faz parte do ser humano essa compulsão quase sexual pela contravenção e pelo proibido. Não é a toa que exista uma cerveja chamada Proibida, com o slogan de que ela é “mais gostosa”.
Não apenas dentro dessa compulsão contraventora, mas dentro dos comportamentos naturais do seres humanos, precisamos nos restringir liberdades para controlar certas atitudes. A simples ideia do liberalismo pelo liberalismo é quase anárquica, fazendo com que sejamos tão livres ao ponto de sermos presos dentro dessa liberdade.
No Reino Unido, depois de se tornar moda ataques com ácido, a Inglaterra estuda criar mecanismos de controle na venda destes produtos, fazendo com que um sistema burocrático impeça pessoas de simplesmente comprarem esses químicos em qualquer bodega, para que não o utilizem fora do seu propósito básico.
Nos Estados Unidos, conhecido como “The land of the free” (A terra dos livres), há o debate constante, sem a devida profundidade prática, sobre o controle na venda de armas. Lá, você pode adquirir um fuzil no supermercado, junto ao pão, que, infelizmente, não é cacetinho. A discussão dos contra armas versus os a favor das armas se dá pelo número elevado de massacres de cidadãos comuns com arma de fogo naquele país. Os pró-armas dizem que a liberdade de adquirir um armamento é um direito inviolável da liberdade, previsto na Constituição americana. E eles se tornam reféns de si mesmo, sob o emblema da liberdade, de serem vítimas da própria população.
Já no Brasil, por exemplo, uma mulher não tem direito de controlar seu próprio corpo, é o Estado que a domina. Se uma mulher engravidar, seja por quem for, e não quiser ter a gestação, algo que transformará e modificará seu corpo de forma agressiva, ela não tem o direito de interromper sua gravidez. Quem diz o que uma mulher, individualmente, pode ou não fazer com seu próprio corpo, que pertence a si mesma, é o Estado e suas leis restritivas e proibitivas. Ou seja, a sociedade. É um caso oposto ao liberalismo social, que deveria respaldar que um ser humano seja, pelo menos, dono de si mesmo. É uma liberdade que falta.
O filósofo austríaco Karl Popper definiu em 1945, o paradoxo da tolerância. Ele disse: "Tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto destes.".
Esse pensamento serve, também, para a liberdade. Se chegarmos ao ponto de sermos livres totalmente, sem nenhuma restrição ou proibição, perderemos a liberdade. A questão é que nós, seres humanos, sob impulsos da imperfeição, mesmo que com a necessidade e vontade de sermos plenamente livres sobre a vida que vivemos, precisamos legislar para restringir certas liberdades; liberdades estas que, paradoxalmente, se mantidas sem controle, acabam por nos aprisionar dentro delas.