ELLAS
Questão de Tempo
Há sete anos, logo que nos mudamos para Bagé, uma querida amiga me indicou com bastante entusiasmo o filme Questão de tempo. Na época, conhecia poucas pessoas e, assim como Caetano Veloso em Sampa, eu não me via na Rainha da Fronteira. Quando a encarava frente a frente, literalmente, não via meu rosto. Tentava, mas não conseguia me identificar com a cultura daqui.
Resolvi assistir ao filme. Questão de tempo conta a história de um jovem que, ao completar 21 anos, é surpreendido com a notícia, dada pelo pai, de que todos os homens da família tinham o poder de viajar no tempo. O poder de viajar e mudar o que foi feito.
Imaginem!
Com uma trilha sonora impecável, terminei de assisti-lo com a sensação de que tinha levado um empurrão para acordar para a vida, sem drama e sem soluções rápidas.
Vivemos tempos difíceis. Em uma sociedade imediatista em que acordar para a vida significa caminhar na direção do relógio, na noção de metas, na direção de repostas rápidas. Em cada esquina, encontramos alguém que nos promete solucionar o que quer que seja em alguns dias. Às vezes, até em um dia. Tudo isso para conquistarmos a tão desejada felicidade eterna. Como se isso fosse possível!
Questão de tempo, de alguma forma, nos mostra o quanto é fundamental respeitarmos nosso tempo interno, nossos desejos, para que tenhamos uma vida interessante. E isso pode significar que ela não seja tão interessante para o nosso vizinho. Mas o que importa?
Levei mais alguns meses para me adaptar à cidade. Talvez um pouco mais. Resolvi viajar no tempo, como a personagem, mas retornando ao divã. Novas amizades foram feitas. Outras desfeitas. Fui me sentindo cada vez mais acolhida em Bagé. Com o tempo, passei a entendê-la melhor. E acho que ela a mim.
No consultório, meus pacientes foram ressignificando suas histórias e foram percebendo que, como disse Calligaris, a questão não é sermos iguais, mas únicos. Cada um descobrindo sua singularidade, ou melhor, inventando-a. E para isso o tempo é fundamental.
Freud tinha a ideia que a psicanálise pode levar a pessoa até a beira de um rio. Mas, se ela atravessar ou não, depende dela. Ou seja, podemos escolher. Podemos atravessá-lo.
Questão de tempo nos incentiva a atravessar o rio. Mostra que, por mais difícil que seja, muitas vezes, precisamos voltar ao passado, assim como a personagem. Precisamos viajar no tempo para dar um novo sentido à nossa história. E, depois disso... Ah, depois disso, tudo é uma questão de tempo...
Adriana Di Lorenzo
Psicoterapeuta psicanalítica e professora
adridilorenzo@uol.com.br