Editorial
Autonomia na mira
Reformulado por uma medida provisória que está em análise no Congresso Nacional, o novo marco legal do setor de saneamento básico atribui à Agência Nacional de Águas (ANA) a função de atuar como reguladora dos serviços públicos de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e drenagem urbana. Na prática, entretanto, a mudança facilita a privatização de empresas, estimula a competitividade no setor e obriga o pagamento de tarifas mesmo sem conexão ao serviço de água e esgoto. Ela mexe, também, com a autonomia administrativa.
A medida foi formalizada nos últimos dias do governo de Michel Temer, sob o argumento de que deve ‘permitir a uniformidade e a padronização das normas regulatórias do setor, dando segurança jurídica para novos investimentos’. Antes da alteração, a ANA era responsável pela regulação do acesso e uso dos recursos hídricos de domínio da União, como rios que passam por mais de um estado. As diretrizes nacionais do saneamento básico, que agora serão assumidas pela agência, estavam a cargo do Ministério das Cidades, incorporado ao Ministério de Desenvolvimento Regional. Existe a perspectiva de que a autonomia das cidades pode ser preservada. Ocorre que o preço pode ser alto.
As normas de referência dispõem, de acordo com informações da Agência Câmara Notícias, sobre padrões de qualidade e eficiência dos serviços de saneamento básico; da regulação tarifária; da padronização dos instrumentos negociais entre o titular do serviço público (município) e a empresa concessionária; dos critérios para os procedimentos contábeis para as concessionárias (contabilidade regulatória) e a redução da perda de água. A redação determina que os municípios e o Distrito Federal não serão obrigados a cumprir as diretrizes da ANA, mas existe um 'porém'.
A medida cria um incentivo específico para o cumprimento das resoluções da Agência. E, para dificultar, como se já não bastasse o desafio de cumprir as metas, os recursos públicos federais para o setor só serão disponibilizados aos entes que obedecerem às normas regulatórias. Existe uma exceção, aplicada aos investimentos federais em áreas rurais, comunidades tradicionais e áreas indígenas, que estão fora do atendimento às diretrizes regulatórias nacionais. Tendo em vista que o principal desafio dos municípios, por exemplo, é dispor de recursos, a regulamentação cria uma condição indissociável, subordinando, inevitavelmente, cidades e Estados às determinações.