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Festival de Cinema da Fronteira recebe Ittala Nandi
A dramaturgia brasileira revelou grandes nomes ao longo dos anos. Nessa constelação, uma das estrelas mais brilhantes é Ittala Nandi, cuja trajetória se confunde com a do cinema e do teatro brasileiro. Além de estrelar o filme “Domingo”, de Felipe Barbosa e Clara Linhart, a atriz vem a Bagé no próximo dia 26 para autografar dois livros. Oportunidade para conhecer o mais novo trabalho de uma das atrizes mais talentosas e transgressoras de todos os tempos.
Ittala Nandi nasceu em Caxias do Sul e tem seu nome ligado ao teatro há, pelo menos, 50 anos. É uma das fundadoras do lendário Teatro Oficina, em São Paulo, onde estreou em 1962. Atuou em montagens antológicas, como "Pequenos Burgueses", de Maksim Gorki, e "O Rei da Vela", de Oswald de Andrade. Fez história em "Na Selva das Cidades", texto de Bertold Brecht, quando protagonizou o primeiro nu frontal do teatro brasileiro. Sua postura sempre foi associada a transgressão e quebra de parâmetros e, ao lado de Leila Diniz, tornou-se símbolo de liberdade e independência feminina. No cinema, participou de dezenas de filmes e trabalhou com grandes diretores de sua geração, como Arnaldo Jabor, Joaquim Pedro e Ruy Guerra.
"É um filme muito oportuno"
Aos 76 anos, Ittala Nandi retorna ao cinema como protagonista do filme "Domingo", um dos seis concorrentes da Mostra Internacional de Longas-Metragens do Festival Internacional de Cinema da Fronteira. Dirigido por Felipe Barbosa e Clara Linhart, foi rodado no Rio Grande do Sul e conta, através de múltiplos pontos de vista, como foi o dia 1º de janeiro de 2003 de uma família burguesa do interior do Rio Grande do Sul. Foi nessa data que Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência do Brasil. Ittala vive Laura, a matriarca, que tem medo do destino que o governo pode ter em mente para sua classe social. "Ela é uma pessoa reacionária e autoritária", afirma. Tudo se desenrola durante um churrasco onde, à medida que a conversa avança, aumenta o desconforto entre os convidados. "Apesar da política ser importante, o filme não é panfletário. [o filme] é um pouco documental", destaca a atriz. Ao longo do filme, fica claro que o assunto as relações sociais e familiares são o grande assunto da produção. "É um filme muito oportuno e sem partidarismo".
Com a campanha eleitoral, em 2018, o filme, inevitavelmente, ganhou novo sentido. "Quando filmamos, não tínhamos noção do que aconteceria com Lula". Após exibições em Veneza, Havana e Brasília, Ittala pôde sentir de perto a reação do público em torno da produção. "Em São Paulo, ele foi exibido um dia após a prisão do Lula. A reação do público foi impressionante", avalia. Através da interação dos diversos personagens, o filme reflete sobre a classe média, o proletariado e a elite brasileira. "É interessante ver o quanto a família tradicional está desunida pela droga, pelo desamor, pela incompreensão", completa.
Tendo sua figura e sua personalidade sempre associados a causas progressistas, Ittala revela que gosta de interpretar personagens com ideias distantes da sua. "Gosto muito quando o personagem tem o oposto da minha personalidade. Apesar dessa mãe ter ideias perigosas, consegui imprimir nela uma tonalidade mais engraçada, e isso tira um pouco da negatividade", afirma.
Um dos pontos altos é a presença da música "Solamente una vez", que a atriz canta e que se repete ao longo do filme. Apesar da letra poder ser interpretada com diversos significados, dentro do contexto do filme, a escolha da canção foi puramente sentimental. "O Felipe e a Clara pediram para eu escolher uma música. Conversando em casa, recordamos dessa música do Gardel, que foi gravada e regravada por diversos cantores. Acabou ganhando muitos significados e sendo fundamental no desenvolvimento da trama", destaca Ittala. Vale lembrar que ela foi premiada melhor atriz no Festival do Rio por este trabalho.
O Festival de Cinema da Fronteira acontece nos dias 23 e 24 de abril, nas cidades de Santana do Livramento e Rivera (Uruguai), e prossegue de 25 a 27, em Bagé. Além das mostras competitivas, o festival traz oficinas, debates e shows musicais. Esta edição apresenta um recorte temático intitulado "O Renascer do Patrimônio". A realização é da Associação Pró-Santa Thereza e Centro Histórico Vila de Santa Thereza, com financiamento do Sistema Pró-Cultura, da Secretaria de Estado da Cultura (Sedac-RS). A produção é da Anti Filmes com apoio das prefeituras de Bagé, Santana do Livramento e Rivera, e apoio institucional da Urcamp, Unipampa e Udelar. O jornalista Roger Lerina assina a curadoria de longas-metragens. O evento tem direção artística de Zeca Brito e produção de Frederico Ruas e Maristela Ribeiro. Mais informações no site fb.com/festivaldafronteira.
Aventuras literárias
Desde 1989, Ittala Nandi realiza incursões ocasionais também na literatura. Desde o lançamento de “Teatro Oficina, onde a arte não dormia”, a atriz mantém regularidade, também, no lançamento de títulos literários. No próximo dia 26, às 10h30min, na Casa de Cultura, Ittala autografará dois livros em Bagé. Um deles é “O Sonho de Vesta”, romance futurista lançado em 2010. “O livro se passa no período Neolítico durante o último matriarcado”, afirma a atriz e escritora. Através do realismo fantástico, a história transmite mensagens ecológicas e de não-violência. “É uma história onde a verdade e a imaginação se misturam”, completa.
Além de "O Sonho de Vesta", a atriz e escritora traz, também, um livro de contos chamado "Milagres". "Foi meu primeiro livro com histórias curtas. Ele é bilíngue, português e italiano, algo inédito até então", revela Ittala.