ELLAS
O invisível que nos cerca
Por Aline Fontoura de Leon
Escritora
Gosto de observar as pessoas em sua versão original, como se a beleza se escondesse entre fendas. Sempre tive curiosidade pelos processos da vida, os inerentes a nós, seres humanos: as alegrias, as ausências, as conquistas e dores. Procuro o avesso, o contrário, ou aquilo que não se faz tão transparente. Quero enxergar além do que a realidade mostra. Percebo que isso trago desde criança, e talvez seja aquela menina, a espreitar os acontecimentos, que me acompanha até hoje.
É aquela flor que nasce em um cenário não tão propício que observo. Há sempre escondido, em algum lugar, um encantamento que é preciso desvendar. E são os esconderijos que me provocam. Tenho uma predileção pelas relações, gosto de observar como as pessoas interagem e se comunicam e o que há nas entrelinhas daquilo que dizem e no que calam.
Somos muito mais do que revelamos, porque nos constituímos, também, daquilo que não foi possível construir e, como não o fizemos, temos a falsa sensação de que não nos pertence. Somos um todo completo de tudo. Atrás daquilo que mostramos, há alguém com desejos secretos e planos desfeitos.
Sempre há um mistério a compreender... como cada um convive com suas perdas, frustrações e celebra suas vitórias. Na verdade, em nossa essência, somos todos iguais. Nascemos, vivemos e morremos e quanto a isso há pouco a descobrir. Porém, tem muito aprendizado enquanto o ciclo não se completa por inteiro.
Costumo dizer que todas as histórias interessam e que, sobre as pessoas, gosto de saber quem são, quais seus sonhos, afetos, sobre seus livros e músicas prediletos. Como, apesar de tantos percalços, ressignificam e continuam. Qual a importância da vida. Pois é sobre isso que, atualmente, não conversamos e, consequentemente, não sabemos uns dos outros. Como se fosse possível ser somente aquilo que cumprimos ou o que temos. E, por mais contraditório que possa parecer, é no que quase passa despercebido que reside a maior das riquezas a ser apreendida. É preciso ir além do visível, é necessário vislumbrar as frestas.
Em um mundo cada vez mais aparente, esquecemos a simplicidade que deve permear os relacionamentos. Vivemos apressados e não percebemos as pessoas em seus significados internos. Apreciamos o externo, ou melhor, só olhamos para o que está a nossa frente e perdemos as oportunidades de realmente ver. Nesse perder-se, esvaziam-se os verdadeiros sentimentos. É preciso reciclar o olhar em outras possibilidades. Torna-se necessário contemplar a vida em camadas, dando importância da primeira à última na mesma medida com disposição para sorver o aprendizado do começo ao fim e não somente naquilo que é tão superficial.