A questão agora não é mais PT e Lula, inocência ou culpa. A questão é muito mais ampla e séria. As primeiras conversas publicadas pelo jornal Intercept Brasil entre Sérgio Moro, quando ainda juiz, com o procurador Deltan Dallagnol, revelam uma conduta ilegal, imoral e inaceitável por parte do judiciário. Ao que tudo indica, o verdadeiro coordenador da Lava Jato era Sérgio Moro, o juiz que decidiria quem é culpado e quem é inocente a partir das provas que o Ministério Público apresentasse, assim como da defesa dos indiciados.
Nas conversas, Moro e Dallagnol discutiam as estratégias da investigação, com o juiz chegando pedir para que a promotoria trocar datas de operações e cobrando novas, consultando se deveria vazar áudios de Dilma, ainda na presidência, com Lula (o que é ilegal sem a autorização do STF) e até indicar testemunhas para que Dallagnol interrogasse. E quando a testemunha indicada se negou a falar, o procurador disse que a intimaria sob pretexto de uma notícia apócrifa, ou seja, inexistente. Isso é crime. Moro concorda e instrui: "Melhor formalizar".
Cabe lembrar ao leitor que Sérgio Moro era juiz. O juiz deve ficar afastado das partes: Ministério Público, representado por Deltan Dallagnol, e a defesa do investigado em questão. Se Moro agiu instruindo uma das partes, seu julgamento está comprometido pela parcialidade e suas sentenças, nulas. Voltemos a Lula, o que é inevitável que façamos, visto ser a figura mais emblemática condenada pela Lava Jato curitibana, o que alçou Sergio Moro ao estrelato. Imagine que Moro, em vez de trocar figurinhas com o Ministério Público, estivesse de conluio com Cristiano Zanin, advogado de Lula, articulando estratégias para absolver o ex-presidente, indicando testemunhas e, no papel de magistrado, ainda corroborando com um crime proposto pela parte, como a intimação de uma pessoa através de uma notícia apócrifa. Isso seria um escândalo, um escândalo que não tenho dúvidas derrubaria as paredes da República e chacoalhariam a democracia brasileira, já cambaleada.
Moro é um exemplo para muitos. Sempre cotado para candidatar-se à presidência e para assumir uma cadeira no STF, é uma figura que transcende o Judiciário. Mas, neste mesmo Judiciário, Moro sempre foi uma figura muito acima do juiz de primeira instância que já deixara de ser para tornar-se ministro. Você pode achar que os fins justificarão os meios com essas práticas ilegais. Agora imagine se essas condutas servem de exemplo e se espalham em efeito cascata pelas muitas comarcas do Brasil. Amanhã pode ser você que não terá um julgamento justo. Já pensou entrar em um tribunal e o juiz já ter acertado com a promotoria que você é culpado?
Para muitos, a questão aqui é Lula, e é inevitável que não seja, pela polaridade política que o julgamento e condenação do ex-presidente trouxe ao Brasil, que só o veem como completo inocente ou como o maior ladrão de todos os tempos, mas o ponto não é esse. Você pode achar Lula inocente ou culpado, mas nada disso importa. Porque a minha, a sua e a opinião de qualquer pessoa sobre a culpabilidade de um réu em um julgamento não importa. O que está em questão é a lisura do julgamento.
Isso é só o começo, muito mais está para ser divulgado pelo Intercept, detentor de milhares de páginas em conversas, inclusive com envolvimento do STF. Botando os pés pelas mãos, a Lava Jato caminha para o mesmo caminho da Operação Satiagraha, e Moro e Dallagnol para o mesmo destino de Protógenes Queiroz, isso se o buraco não for mais profundo que a Fossa das Marianas, o que, ao que tudo indica, é.