ELLAS

Rockeman

por Adriana Di Lorenzo

Psicóloga e psicoterapeuta psicanalítica

adridilorenzo@uol.com.br

 

Assim que terminei, bastante emocionada, de assistir ao filme Rocketman, lembrei-me das palavras de Ferreira Gullar “A arte existe porque a vida não basta”. E que bom que não basta!

Dirigido por Dexter Fletcher, o ator galês Taron Egerton, conhecido pelo seu papel como Eggsy nos filmes Kingsman: Serviço Secreto e Kingsman: O Círculo Dourado, não só vive impecavelmente Elton John, como também é ele mesmo quem canta todas as canções desse musical praticamente autobiográfico. E o que ainda mais nos surpreende é saber que foi o próprio Elton John quem participou na produção do filme. Isso porque a história nos desconcerta a todo o instante e nos convida a refletir sobre nossa modernidade, tão superficial que não tolera diferenças e que insiste em colocar em todos nós um mesmo denominador comum - com sorrisos em excesso, frases feitas, soluções mágicas, muitas selfies e poucas escutas.

Elton John, ídolo pop que há décadas nos emociona pela música, agora, nos toca pela coragem de tirar seus figurinos em frente à grande tela do cinema. Logo na primeira cena, o cantor abandona os palcos e se apresenta em uma clínica de reabilitação dizendo “Oi, meu nome é Elton Hércules John. Eu sou viciado em álcool, drogas em geral, cocaína, maconha, sou bulímico, tenho acesso de raiva e sou viciado em sexo”.

À medida que Elton John narra sua história para seu grupo de terapia, através de flashbacks e de suas canções, vai entendendo e, ao mesmo tempo nos mostrando que, por trás de todas as roupas extravagantes, por trás de todos os óculos coloridos, de cada sucesso meteórico, de cada música – como as inesquecíveis Your Song, Rocketman e tantas outras – por trás de tudo isso, existe um menino assustado. Um gênio que cresceu sem o amor de seus pais. Esse mesmo menino sofreu, sutilmente, preconceito de seu próprio pai frente a sua sexualidade. Mas com sua genialidade precoce, acabou buscando refúgio na música e no seu piano. Apesar disso, com o tempo, mesmo com suas canções, fama e riqueza, não consegue preencher seus vazios internos, e acaba buscando alívio de suas frustrações na bebida, sexo e consumismo.

Rubem Alves dizia que tudo o que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio, sem dar conselhos. Sem dizer “Se eu fosse você...”. A fala é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Elton John precisou escutar. Escutar o menino que sempre esteve ali. O cantor precisou voltar ao passado para, dessa forma, poder aceitar a si mesmo e ressignificar sua história. Só assim, com a própria escuta, Elton John pôde recomeçar, pôde vislumbrar um futuro diferente. Só assim, o músico conseguiu escrever sua própria canção. E tudo isso só pôde acontecer quando depôs a máscara. Foi quando se viu ao espelho e descobriu a criança de há muitos anos. Descobriu que ela não tinha mudado nada. Essa é a vantagem de tirar a máscara, nos alerta o poema de Álvaro de Campos - heterônimo de Fernando Pessoa – É, sempre a criança, o passado que foi a criança. Assim é melhor! Assim sem a máscara!

Pense nisso! Escute-se! Seja honesto consigo, assim como Elton John conseguiu ser. Fique atento à sua criança interior! A quem você é e sempre foi! Abrace essa criança e assista à Rocketman!