ELLAS
Permita-se SENTIR...
por Aline Fontoura de Leon
Escritora
Atualmente, não vivemos mais nossos lutos. Na era do imediato e das informações galopantes, tudo deve ser processado muito rapidamente. Não há tempo para pausas e sentir não é prioridade no momento. Porém, ainda que queiramos negar os sentimentos, não processar as ausências traz um grande perigo: é como transformar a essência da vida em algo banal. É viver sem apreender o sentido da existência em sua totalidade. Estou me referindo aos lutos de uma forma geral, ou seja, não somente a morte física, mas, principalmente, os vários “fins” que em vida nos acompanham e que somos obrigados a aceitar durante a caminhada.
Quantas vezes instalam-se vazios sem que estivéssemos preparados? Os filhos crescem e ficamos ausentes do afeto incondicional que outrora tínhamos; os relacionamentos terminam e é preciso ressignificar o amor; envelhecemos e já não temos a mesma disposição de antes; nem todos nossos objetivos se realizam; chega a aposentadoria e termina o período produtivo; os pais envelhecem e os papéis invertem-se; uma amizade acaba sem o nosso consentimento e tenho certeza de que você, leitor, poderia acrescentar outros tantos momentos a esta lista...
Quando esses fatos acontecem, não é em minutos que recuperamos o fôlego. Às vezes, é necessário um ciclo inteiro a fim de que os efeitos sejam processados. Ainda assim teremos que aprender a conviver com a falta daquilo que se transformou pelo trajeto. É verdade que temos conhecimento de que é um processo natural, porém saber e ter a consciência não nos isenta de sentir. Ainda que tenhamos atribuído outros significados ao que sobrou, pedaços se desprenderam e é preciso um tempo para que possamos desapegar do que um dia fez parte de nosso ser. E está tudo bem, é normal esse estranhamento mesmo perante o inevitável e não há nenhum assombro nisso, ainda que a sociedade moderna queira dizer o contrário.
Sensibilidade é algo que a revolução digital não vai conseguir transpor, ou seja, nunca seremos robôs insensíveis aos inúmeros acontecimentos diários que ocorrem no transcorrer do percurso. Somos de carne e osso e em nós há alma, sorrisos e dores. Sentir faz parte da construção do humano real, verdadeiro e de alguém que se esforça em entender as lacunas para poder continuar. A boa notícia é que olhar para as perdas não torna ninguém frágil, ao contrário, potencializa a força à medida que ajuda a compreender e, consequentemente, superar as inseguranças. Após esse período de introspecção, estaremos prontos para seguir adiante com as emoções organizadas e muito mais fortalecidos.
Desprotegidos estaremos se não estivermos dispostos a perceber o quanto é necessário vivenciar todas as sensações. Fugir delas somente irá distanciar-nos do aprendizado vital a nossa construção. Porém, somente iremos conseguir se, de fato, aceitarmos a realidade de que não é possível uma vida sem que possamos vivê-la com todos os ingredientes inerentes a ela. Fingir “não sentir” é privar-se do que realmente pode construir uma sensação plena de felicidade.