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Um anjo no Bianchetti

Publicada em 29/11/2019
Um anjo no Bianchetti | ELLAS | Jornal Minuano | O jornal que Bagé gosta de ler

por Gerson Luís Barreto de Oliveira
Médico nefrologista e escritor

 

Quem já teve contato direto com uma criança portando alguma doença neuromuscular, sabe do sofrimento impingido aos pequeninos. Muito triste, só sendo pais-coragem para passar por esta vida e amparar estes frágeis e minúsculos heróis, é para fortes.

Vi alguns desses pequenos, durante a faculdade, na ala pediátrica do Hospital São Lucas-PUC, e todos me faziam lembrar de uma menininha especial que conhecera há muito tempo.

As doenças neuromusculares são um conjunto de fatores que acometem algumas crianças desde o nascimento. Sabemos que há a determinação genética, que cada vez mais se tenta o diagnóstico fetal. Mas depois que nascem, os tratamentos são em sua grande maioria paliativos. E olha que há avanços, as expectativas são de no futuro fazer com que se faça o diagnóstico bem cedo.

Eu deveria ter uns 10 anos, lá por 1976, e o Restaurante Esquina Bianchetti, da minha família, bombava em Bagé, tanto que o meu pai descobriu um confeiteiro uruguaio que veio de muda para a cidade e o contratou rapidamente. Seu nome era Ubaldo Cosio. Veio ele,  a esposa e uma filhinha. A criança tinha uma doença neuromuscular que impossibilitava ter controle sobre suas perninhas roliças. Da cintura para cima uma criança linda.

Não lembro bem, mas a vinda de Melo (Uruguai) para Bagé tinha a ver com dar melhores condições de tratamento para a filha no Brasil. E começaram as cirurgias.

Inicialmente, eu, muito tímido, me aproximei do “seu" Ubaldo, que era de uma personalidade vibrante, além de um excelente confeiteiro,  artista e pintor autodidata.

Como toda criança, eu precisava fazer os temas para depois ir brincar, no caso o melhor local para as brincadeiras era o pátio do Bianchetti e os porões escuros, na parte de trás do prédio, que eu comparava com cavernas. Muito boas recordações dessa época.

Um dia, o professor Augustinho de geografia, do Colégio Auxiliadora, nos deu várias incumbências, e deveríamos desenhar um vulcão em erupção. Vou lhes contar uma coisa: sou péssimo em desenho. Não queria levar o desastre que se afigurava na minha frente, uns garranchos. E comentei com o Ubaldo: “ deixa que eu te faço o Vesúvio, me traz o material “, disse ele. Feliz, encontrei a solução. Ficou tão lindo que se o professor desconfiou da minha autoria nada disse, e me deu 10.

Minha mãe me falou: “ bem, tens que agradecer ao teu amigo ‘’, e ao entrar na casa do casal, que era dentro do pátio do restaurante, fui conhecendo aquela linda menina, olhos gigantes, curiosos, e me olhava com carinho, por eu ser maior ela se afeiçoou instantaneamente.

Ela já deveria ter uns quatro anos e estava totalmente engessada da cintura para baixo após uma cirurgia corretiva. Havia uma pequena fenda para fazer a eliminação da urina e fezes e, assim, deveria ficar por não sei quanto tempo. Novamente, ouvi meus pais lamentarem o sofrimento, minha mãe lançou um comentário rápido: “a pobrezinha não está sorrindo“. Me deu um dó!

Me apressei a localizar as marionetes do Vila Sésamo (quem tem mais de 50. Lembra?), que estavam jogadas sem uso na minha casa, e me toquei para os Cosio. Não há criança que fique séria com um palhaço na frente, no caso eu, e ela sorriu, gargalhou, bateu palmas, a fiz feliz por algumas horas, alternando por leituras dos gibis que levei junto, Tio Patinhas, Donald, Mônica, e Asterix.

Pouco depois, com o sucesso dos seus doces cada vez maior, eu não lembro muito bem, mas alguém chamou o confeiteiro-pintor para fazer dois painéis na futura nova rodoviária de Bagé.

Ubaldo me contou seus planos. No maior painel a céu aberto (da última vez que vi, lamentei, pois estavam muito mal cuidados ) ficariam alguns gaúchos a cavalo. Eu ainda tive aula de história, ele me disse que o maior gênio da pintura, Leonardo Da Vinci, deixou uma obra prima por fazer, há somente um esboço, são soldados montados em alazões lutando numa contenda, é a “Batalha da Anghiari“. O meu amigo falou: “não chego a tanto só Leonardo para enovelar aqueles soldados e cavalos em movimento“. No outro painel, dentro das instalações da rodoviária, é uma cena que pode ser atribuída a um visionário, uma carruagem em movimento.

Para quem não sabe, a estrada que liga Bagé a Aceguá, com seus haras de cavalos de raça de ambos os lados, é remanescente do caminho usado primeiro pelos jesuítas no seu esforço catequizador e depois pelos espanhóis e portugueses em permanente litígio, até a paz ser feita em definitivo.

Minha avó contava muito das diligências que usava enquanto era menina, para acompanhar sua mãe até os parentes em Melo, isso antes de 1920.  As estações de permuta de cavalo, as estalagens na beira da estrada, onde as mulheres raramente entravam depois que cruzavam a fronteira, por medo do desconhecido. Tudo isso o meu amigo uruguaio quis retratar. Ele usava suas horas de folga e saía após o expediente para pintar os painéis.

Após o encerramento das atividades do Bianchetti, Ubaldo não estava mais trabalhando na confeitaria há tempos, nosso contato ficou cada vez menor e os via cada vez menos. Um dia, minha prima falou em lamento: “Cristina, a filha do Ubaldo, morreu de repente“, o casal passou por um grande sofrimento.

Recentemente, a mesma prima, que também se manteve muito amiga deles, me ligou. “Ubaldo morreu de infarto agudo, foi rápido“.

Com sua energia vulcânica, seu amor ilimitado pela família, seu talento nato, eu gostaria de lembrar dele como se tivesse pego a diligência da rodoviária e embarcado em busca do seu amado anjo.

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