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Dia Internacional da Mulher: pelo direito de escolher ser ou não ser mãe, sem questionamentos
Ainda hoje, há quem associe a condição de mulher, diretamente, à maternidade. Mas cada vez mais o papel da mulher na sociedade é debatido e seu direito de optar, ou não, pela maternidade, é assegurado.
Tanto a gestação quanto a adoção são atos de amor, mas que não definem o papel de uma mulher. Enquanto algumas escolhem se dedicar à sua vida pessoal e profissional, optando por não se comprometer com as exigências da maternidade, há quem sonhe com o momento de gerar uma criança ou aguarde com ansiedade o momento do acolhimento na família de um filho gerado em outro corpo, mas escolhido com o coração.
Neste especial, conversamos com representantes das duas “vertentes”, que contaram um pouco sobre o que as motivou a decidir entre ser ou não ser mãe.
Quando a escolha vem em quarteto
Três anos após perder a mãe, Ana Caroline Porto, decidiu dar continuidade à família. Em fevereiro de 2019, em um relacionamento estável, deu início às tentativas para engravidar. Em abril, após descobrir a gestação, veio o primeiro choque: o primeiro exame revelou que não apenas um, mas quatro bebês seriam gestados por ela. “No início foi difícil a compreensão, o susto. Eu me perguntava todos os dias o que eu ia fazer com quatro crianças dentro de casa. Era a minha primeira gestação e vieram quatro de forma natural”, conta a farmacêutica de 34 anos.
Durante as 31 semanas de gestação, Ana teve momentos de ansiedade, acreditando que não daria conta da missão de cuidar das quatro crianças. Sua visão sobre a nova realidade só mudou quando conheceu outra mulher que havia dado à luz a quadrigêmeos em uma produção independente, em Alvorada, na região metropolitana. “Fui aos poucos trabalhando para compreender esse mundo todo. Quando comecei a conhecer a história dela, passei a ver a minha própria história de uma maneira diferente. Muita coisa que vivencio hoje, lembro dela”.
Após dar à luz, no dia 27 de outubro, para Lavínia, Larissa, Heitor e Lauren, somente com a presença de uma amiga em Porto Alegre, (o marido, Leandro Machado, trabalhando em Candiota, não conseguiu chegar a tempo), ela soube: “Aqui começa a minha missão”.
Quando o Quarteto Fantástico atingiu o peso ideal, ela retornou para Bagé, mas com uma rotina completamente nova, revezando o tempo entre os cuidados com os quatro bebês. “ Minha rotina mudou demais, custei a me adaptar. Dormir bem é uma coisa que eu não sei o que é faz tempo. É difícil?É. É complicado? É muito. Mas tu chega a esquecer os teus problemas quando acorda de manhã e olha para eles, sorrindo para ti como se dessem bom dia”, garante.
Contando com uma equipe de amigos, que auxiliam no dia a dia, Ana revela que não pretende ter mais filhos, dedicando seu tempo ao quarteto, enquanto não volta ao trabalho. “Eu via a maternidade de uma maneira diferente. Hoje sei que é compromisso, uma missão. Sei que meus atos vão servir de exemplos para eles, que eles dependem de mim e isso é mágico”, ressalta.
Quando o plano de vida não comporta uma criança
“Muitas meninas têm aquela coisa de brincar de boneca, de casinha, se imaginar casada e cuidando de filhos. Eu nunca tive esse desejo”, garante Emanueli Freitas Lopes Brito, 31 anos.
Adepta do crescente movimento childfree, a servidora pública desmistifica a visão que ainda existe das mulheres que optam por não serem mães: ela gosta de crianças e convive muito bem com filhos de amigas e parentes, além do afilhado, que é seu xodó. Emanueli apenas nunca se imaginou exercendo a maternidade.
Ela conta que desde que se lembra, os sonhos de formar família eram substituídos, em seus pensamentos, por outras opções, como estudar, viajar, curtir os amigos e fazer festas “sem ter o compromisso de cuidar de alguém quase 24h por dia”, conta.
Aos 15, contou para a mãe a intenção de não ter filhos. “Ela não deu bola e vida que segue. E a cada ano que passava, eu via minhas amigas engravidando e eu tinha cada vez mais certeza que a maternidade não era pra mim”, recorda.
Quando casou, Emanueli deixou claro sua escolha para o companheiro, com quem foi casada por 10 anos. “Ele sempre soube da minha escolha e sempre apoiou a minha decisão”, conta.
Após 15 anos utilizando anticoncepcionais, resolveu parar com o medicamento para diminuir o consumo de hormônios. Para garantir que uma gravidez indesejada não ocorresse, começou a pensar em realizar uma laqueadura de trompas. Contudo, para isso, precisaria da permissão do marido, de acordo com a Lei 9.263, a Lei do Planejamento Familiar. O documento autoriza o procedimento em mulheres e homens acima de 25 anos ou pelo menos dois filhos vivos. No caso de mulher casada, é preciso, ainda hoje, apresentar a autorização do cônjuge.
“Já era profissional da saúde na época e sabia da lei que me amparava, mas sabia que não ia ser tão fácil. Conversei com ele, que apoiou minha decisão e respondeu que independente de qualquer coisa, era um procedimento que iria ser realizado no meu corpo, que não era uma posse dele. Se ia me deixar feliz e realizada, que ele estaria comigo”, relembra.
Após cumprir todas as exigências, como a consulta com psiquiatra para garantir que estava certa da decisão e da assinatura de documentação em que validava sua vontade de não ser mãe, realizou o procedimento em 2017. Desde então, enfrentou questionamentos diversos sobre o procedimento, mas garante: “Estou bem tranquila quanto à minha decisão”, afirma.
Hoje consegue falar abertamente sobre sua escolha, mas no início era bem difícil. Ela recorda que as pessoas não aceitavam muito bem. “Acho que constituir família é algo que a gente escolhe, independente de ter um filho ou não. Tu escolhe para quem quer dar o teu amor”, relata.