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'Mais de 50% dos casos na França são pessoas abaixo de 60', aponta Ricardo Lugris
Radicado há 24 anos na França, Ricardo (Alfonsito) Lugris, de 62 anos, atua como vice-presidente de Marketing na Europa da Nordic Aviation Capital (NAC). Residente em Gouviex, no departamento francês de Oise, o bajeense informa que, desde o dia 16 de março, o governo decretou o confinamento de seus 67 milhões de habitantes, por um período inicial de 15 dias, e já estendido até o dia 15 de abril, em virtude da rápida progressão do vírus. A decisão é no mesmo molde do que ocorreu na China, Itália e Espanha.
“Em Gouvieux, pequena cidade de 12 mil habitantes, onde vivo há 24 anos, a medida foi recebida de forma positiva, já que nossa região, - Hauts de France, e particularmente nosso Departamento o Oise, foi um dos mais atingidos por essa epidemia, com quase mil casos. É importante mencionar que há 45 dias, tínhamos apenas dois casos na França. Hoje, temos quase 40 mil, com quase 5 mil pessoas internadas em estado grave nas UTIs. Portanto, a medida de confinamento total é a mais eficaz para poder reduzir a velocidade de propagação do vírus e dar tempo ao sistema de saúde e sanitário do país de se recuperar”, argumenta.
A rotina dos franceses mudou radicalmente. Segundo Ricardo, os cidadãos podem deixar suas por apenas quatro razões: ir ao médico, comprar comida, ajudar a um familiar em fragilidade e ir ao trabalho, caso o home office não seja possível. “Todo o comércio está fechado, com exceção daqueles dedicados à alimentação, supermercados, açougues, fruteiras, padarias e farmácias. Não há teatro, cinema, estádios, restaurantes, ou qualquer outra forma de lazer abertos. Nas compras, somente uma pessoa poderá sair de casa e deve-se preencher, para todos os casos, uma declaração sob palavra, que o destino será aquele indicado no documento a ser apresentado à polícia. Curiosamente, desde a semana passada, começamos a ter belos dias de sol com a chegada da primavera, tão esperada há quase seis meses. Mesmo assim, as pessoas, em sua imensa maioria, permanecem em suas casas conscientes de que essa é a única maneira de aniquilar com esse agressivo vírus”, ressalta.
Uma estatística que serve como alerta é de que mais de 50% dos casos de contaminação são com pessoas com menos de 60 anos de idade. Isso evidencia o argumento de que os cuidados mais drásticos não se restringem somente aos idosos. “A nível de transporte, é praticamente impossível viajar, pois a maior parte das companhias aéreas está com suas aeronaves no solo e 90% dos voos foram cancelados. Se alguém pretendia vir de férias à Europa nos próximos meses, adie. Não é hora. Para mim, que atuo no mercado de leasing de aeronaves comerciais, o momento é dramático, com enorme crise instalada no setor de transporte aéreo. Creio que, levando em conta as rápidas e drásticas medidas tomadas pelos governos europeus, o balanço sanitário será normalizado em dois ou três meses, mas o impacto econômico dessa crise deixará sequelas no mundo inteiro que deverão durar por vários anos. No mais, temos confiança na seriedade e comprometimento dos líderes e instituições francesas e europeias”, expõe.
No contexto populacional, Ricardo diz que o povo francês, conhecido por cultivar o contato físico, espera ansiosamente que tudo volte ao normal. “Como disse apropriadamente o presidente Macron, em alocução ao vivo pela TV, há dez dias, assistida por 80% da população, ‘Estamos em guerra’. O inimigo é invisível, mas é uma guerra. E pediu o apoio de todos os cidadãos franceses. Neste país, a palavra ‘citoyen’ (cidadão) tem uma conotação quase sagrada, com suas origens na Revolução Francesa. Assim, seguiremos com paciência e expectativa em nossos lares, aproveitando esses momentos em família para uma grande reflexão do que o ser humano está realmente provocando em seu planeta e para ele mesmo. Algo deve estar profundamente errado quando a nível planetário, pessoas precisam perder sua liberdade de ir e vir, para encastelar-se em sua casa com medo do mais mínimo contato com seu semelhante. A França, como todo povo latino, cultiva o abraço, o aperto de mão e o beijo como forma de saudação e apreço. Hoje, estamos impedidos de o fazer e percebo claramente o desconforto das pessoas em não poder cumprimentar-se devidamente. Não importa, lhes digo eu. ‘Quando tudo isto acabar, vamos nos abraçar e beijar loucamente’. Dizendo isso, não somente diluo um momento embaraçoso para os franceses, mas provoco um belo sorriso com minha promessa, que sinceramente, espero cumprir em poucos meses”, finaliza.