Social
Uma trajetória de coragem
por Giana Cunha
Na nossa série de reportagens sobre as mulheres de Bagé, a gente não podia deixar de fora uma representante das Artes. Hoje, conheça a história de Marcela Meirelles, uma trajetória marcada pela coragem.
Se desprender, inspirar, lutar pelo que acredita, fazem parte dos caminhos dessa mulher que pode ser definida como uma lutadora. Marcela nasceu artista, é a segunda filha de uma família de cinco. Bajeense, nascida em 73, aprendeu com as tias e a mãe o valor que as artes têm na vida da gente.
Já na infância se questionava. Nasceu no gênero masculino, mas nunca se percebeu assim. Lembra que gostava de usar as roupas da mãe, se perguntava porque não podia usar o que a irmã vestia, se era assim que se sentia bem. Cresceu, sem se entender, e buscava referências. Nas palavras dela: "Não sabia o que era e buscava respostas". Se sentia diferente, amedrontada. Não queria ser assim. E diante de tantas dúvidas, o autoconhecimento era a única escolha.
Até os 22 anos, assumiu o gênero masculino. Sonhava em fazer artes, mas por pensar também em ser um pai de família, foi embora para Santa Maria, fazer faculdade de Química Industrial. Foi quando as janelas se abriram e ela finalmente começou a se entender. Percebeu que vestia uma roupa que não era sua. Fez terapia, buscou as respostas e começou a transicionar. Foi em busca de informação e encontrou o Programa Transdisciplinar de Identidade de Gênero (Protig), do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, (HCPA). E foi pra lá que foi para se ressignificar.
Em 2 anos e três meses, com acompanhamento de uma equipe multidisciplinar, fez a cirurgia de afirmação de gênero. Foi sucesso. A vida profissional fluiu na capital. Até que precisou voltar a Bagé
Mas e a arte? Estava guardada numa gavetinha, mas ali, sempre presente. Trabalhou com móveis planejados, com a fabricação de bolos e a arte que estava quietinha começou a reaparecer. Autodidata, encontrou nas telas e pincéis o seu processo de fala. A sua voz.
No início, a pintura era o passatempo, até que resolveu fazer da arte sua vida. Artista talentosa, conquistou seu espaço, com tranquilidade. Na vida, sofreu preconceitos e discriminações, mas sempre conseguiu transitar nos lugares, independente de ser uma mulher trans.
A vivacidade de Marcela a fez conquistar seu espaço. Continua questionadora, justa, defensora dos seus ideais. A coragem marca essa mulher em constante evolução. Hoje ela entende Bagé, onde nasceu e foi reacolhida. De volta há 25 anos, aprendeu a enxergar e conquistar seu espaço por onde quer que passe.
Com coragem, mantém viva aquela sementinha que foi plantada pelas mulheres da família dela. As memórias dos bordados da mãe, dos grande pintores apresentados pela tia, que estudava Belas Artes, os traumas, a luta, as dúvidas e a coragem construíram a Marcela de hoje que é, sim, inspiração para todas nós.
E ela reforça: "A gente como mulher precisa se entender no mundo cada vez mais, descobrir os nossos talentos, resgatar as nossas forças e se organizar e se juntar para conquistar o mundo!"