Guarany Futebol Clube, 115 anos
Era outono na Praça da Matriz, antes Praça da Redenção, e sentiam-se os calafrios de abril. O intendente Figueiredo Teixeira, substituto de Octávio Gonçalves que fora para a Assembleia, ordenara reformas naquele logradouro histórico. Bagé se desenvolvia já com iluminação pública, rede telefônica, hidráulica, ruas abertas, a ponte do Guylain. Nas imediações da esquina (hoje Barão com Veríssimo), então nº 111, morava um casal de espanhóis, Antônio e Filomena Perez, pais de Gonzalo, Cervantes e Riego.
A casa, no canto da Praça, era ponto de reunião dos amigos dos espanhóis, jovens entre 15 e 22 anos, época sem televisão ou rádio. Com cultura jornalística e livresca, gostavam mesmo de fazer serenatas, com seus violões, violinos, bandolins e flautas. D. Filomena os regateava com café, pão, um ou outro convidado para as refeições.
Chegaram até a organizar um conjunto musical, mas se lembraram que no ano anterior a cidade fora visitada pelo S.C. Rio Grande que viera demonstrar um esporte da moda, o futebol, em espetáculo que encheu o hipódromo (hoje, Associação Rural). Isso foi em 7 de setembro de 1906. E numa de sus viagens a Montevidéu, Carlos Garrastazu trouxera uma bola, camisetas.
Na noite de 19 de abril de 1907, na residência dos Perez, 11 moços fundaram o Guarany Foot Ball Club, após “prolongada discussão” Eram eles, segundo ata, Carlos Garrastazu e Lucídio Gontan, os organizadores, João Guttemberg Maciel, Gonzalo, Cervantes e Riego Perez, Carlos Sá Antunes, Viriato Bica Nunes, Secundino Maciel, Carlos Peixoto e Manuel Berruti.
Segundo Carlos Sá Antunes, em sucessivos textos, muitos desejavam o nome “Internacional”, mas venceu a “ardorosa” campanha de Lucídio Gontan, possivelmente por influência da ópera Guarany, estreada em 1870, em Milão. A cor da camiseta não foi difícil, o encarnado, segundo Guta Maciel mais ao gosto dos “olhares indígenas”, com o branco, símbolo da “luz e pureza”. Dona Filomena, os presentearia com os primeiros distintivos alvirrubros. E logo encomendaram um hino a Sebastião Santos, mestre da banda do 31º Batalhão de Infantaria e que seria tocado no falecimento de um dos primeiros sócios, Narciso Gomes, irmão do atleta Pituca Gomes, à sombra da bandeira da entidade.
Em 27 de maio de 1907 o Guarany estreou contra o Sport Club Bagé, primeira entidade futebolística do município, criada depois da vinda do S.C Rio Grande (entre seus atletas Alfredy Laranjeira, Gedeão Ratto da Silveira, João Machado, Nenito Azambuja e Carlos Ramos). A Praça da Estação lotada, banda de música, muitas senhoritas, também Emílio Guylain e o Visconde de Magalhães. Empate em um a um, gol de Carlos Peixoto.
Eis a equipe: Carlos Sá Antunes, Antônio Lumia e Lucídio Gontan; Nero Silva, Gonzalo Perez e José Gomes Filho; João Guttemberg Maciel, Viriato Nunes, Carlos Garrastazu, Carlos Peixoto e Carlos Figueiró. Também atuaram Henrique Netto, Cervantes e Riego Perez. Pouco depois o Guarany tinha perto de 50 jogadores em suas 4 equipes.
O resto é a história gloriosa que todos conhecem.
A foto é, possivelmente, a primeira da equipe, obtida ainda no patio da casa dos Perez. Pertence ao acervo de Maritza Perez, neta do fundador Gonzalo, que a cedeu ao autor, tendo sido higienizada e colorizada por Roberto Medeiros Soares, funcionário do Memorial do Judiciário.
De cima para baixo e da esquerda para a direita, uma das primeiras escalações alvirrubras: Antônio Lumia, Francisco Sá Antunes (goleiro) e Lucídio Gontan; José Gomes Filho (Pituca), Nero Silva e Gonzalo Perez; Carlos Peixoto, João Guttemberg Maciel, Carlos Garrastazu, Viriato Nunes e Cervantes Perez.