Região
Candiota pode receber primeira usina termelétrica do Brasil com tecnologia supercrítica
por Felipe Valduga
Em 20 de maio, uma audiência pública virtual apresentará, em detalhes, o mais novo projeto destinado à construção de uma usina termelétrica a carvão mineral em Candiota: a Nova Seival. O empreendimento desenvolvido pela Energias da Campanha Ltda., subsidiária da Copelmi, se concretizado, será capaz de gerar até 726 megawatts. E com uma novidade: é a primeira unidade do tipo que utiliza tecnologia supercrítica, capaz de produzir energia de forma mais eficiente ao mesmo tempo em que emite menos gás carbônico.
Antecipando o evento, o JM conversou com o diretor técnico da Energias da Campanha Ltda., Levi Souto Junior, que comentou sobre as reais expectativas do projeto, o passo a passo necessário para sua efetivação, os cuidados da empresa para atender aos trâmites burocráticos que envolvem um projeto de tamanha proporção – o orçamento é estimado em US$ 1,3 bilhão – e o foco da empresa em garantir o desenvolvimento econômico regional não apenas com o investimento de capital, mas com a geração de empregos.
O atual cenário
De acordo com Souto Jr., a empresa realizará a audiência pública para atender à uma das exigências previstas para a liberação da obra. “São várias as etapas. Agora, apresentamos os estudos de viabilidade ambiental, locacional e técnico do projeto. Após essa audiência, o Ibama tem um tempo para avaliação”, detalhou ao explicar que a aprovação dos dados, neste momento, pode garantir a Licença Prévia, que autoriza, por exemplo, o avanço das tratativas para o encaminhamento do projeto básico.
Vale lembrar que a expectativa é que a Nova Seival, se tudo ocorrer dentro do cronograma, entre em operação em 2027. Antes disso, contudo, alguns trâmites são necessários. A LP buscada, por exemplo, permitiria a participação do empreendimento nos leilões de energia que o governo federal projeta realizar em setembro deste ano. Souto Jr, porém, reconhece que há possibilidades de que isto seja postergado, o que acarretaria em alterações naturais do fluxo de trabalho para as obras. “O governo deve detalhar, nos próximos dias, o Programa de Modernização do setor elétrico, que foi lançado em dezembro. E isso pode trazer algumas novidades, já que a perspectiva é que sejam contratados dois mil megawatts para Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Nós, por exemplo, buscamos um edital regionalizado, já que é difícil competir com alguns projetos de outras regiões onde há isenções muito mais atraentes, de até 75% em determinados impostos, como no Nordeste”, explicou ele ao frisar que, por isso, há incertezas a serem sanadas. E justifica: “porque você (o governo) está comprando energia para daqui seis anos”. Por outro lado, o diretor técnico afirma que o ambiente do mercado pode ser caracterizado pela “solidez”. “O contrato é de 25 anos (no caso dos leilões) e essa estabilidade é um atrativo, até porque o Brasil não tem histórico de quebra de contratos de energia”, destaca.
De qualquer forma, caso a LP seja liberada e a Nova Seival vença o leilão – o que, em parte, viabiliza o empreendimento, além dos investimentos diretos, já que o grupo deve fechar parceria com empresários chineses – as etapas seguintes seriam o desenvolvimento definitivo do projeto básico, o que pode adentrar 2022, seguido da busca pela Licença de Instalação. Feito isto, a construção é autorizada para ser realizada ao longo de 5 anos e, quando finalizada, opera a partir da emissão da Licença de Operação – esta projetada para 2027.
Mais eficiência e menos emissões
Além do vultoso investimento, que pode voltar a movimentar a Campanha gaúcha, a exemplo do ocorrido quando da construção da Pampa Sul, pela Engie, e da Fase C da Presidente Médici, da Eletrobras, o que vem sendo destacado para este novo empreendimento é sua tecnologia.
Conforme Souto Jr, trata-se da primeira usina a ser implantada no Brasil com a característica supercrítica. Esse modelo, conforme sua explicação, representa uma melhoria substancial no processo de geração a partir da queima do carvão mineral. “Aumentamos a eficiência da caldeira em 35%, estamos indo a 40%, o que equivale à uma redução da emissão de CO2 em 15%. Ou seja, é mais eficiente e gera menos emissão”, detalha.
A busca por tecnologia de ponta, claro, visa diminuir possíveis impactos ambientais. Mas além disto, o projeto da Nova Seival tem aspectos paralelos que prometem auxiliar neste quesito. Um deles é o local onde a usina será instalada: em uma área onde já foi extraído carvão, anos atrás, por um consórcio de empresas cimenteiras, em área já recuperada, inclusive, pela própria Copelmi. “Então o carvão sairá da lavra para o beneficiamento e vai direto para a Usina”, explica ao dizer que tudo ocorrerá em um mesmo local, sem necessidade, por exemplo, da instalação de esteiras para o transporte do mineral da mina até a queima.
A apresentação inclui, neste sentido, um total de 28 programas de gestão ambiental, bem como cinco programas de controle e monitoramento. Outra iniciativa já pensada é o reaproveitamento do material resultante da queima. “O carvão tem muita cinza sim, mas não é ruim, porque a usina adapta a produção ao combustível que for utilizar. No caso de Candiota, gera outros insumos. A cinza daqui, por exemplo, é mais barata que o Clínquer utilizado na fabricação do asfalto Portland. Então temos que criar a oferta desta cinza para a indústria cimenteira”, frisa ao antecipar uma nova possibilidade de negócio para a região.
Estratégia energética
Questionado sobre os motivos que levam a Energias da Campanha a investir em um novo empreendimento do setor, mesmo diante de um movimento de descarbonização, como o visto na Europa, Souto Jr. argumenta tratar-se de uma questão estratégica para o abastecimento do país.
“Temos um equivalente de riqueza em Candiota ao que o Brasil tem de óleo e gás. E temos uma vasta gama de itens de uso, mas, no país, é mais para a energia. Por isso o carvão continua num caminho de participação no setor energético, mesmo com o crescimento de fontes como a solar e eólica. Nos Estados Unidos, está sendo mais utilizado o gás, porque lá está mais barato, mas na China o carvão segue aumentando sua participação”, comenta ao ressaltar que fontes como carvão e gás servem como um backup para as renováveis. “Hoje, o Rio Grande do Sul é o quinto estado em capacidade instalada de eólicas, mas é uma geração que oscila e precisa deste backup quando a produção reduz”, completa.
Em uma avaliação exposta à reportagem, Souto Jr. mostrou que, na atualidade, no mundo, o carvão segue liderando a geração de energia, seguido pelo gás natural, as hidrelétricas e eólicas. Este patamar, conforme a projeção exposta, deve mudar até 2040, para quando se prevê uma liderança das solares, seguidas por gás e carvão (como suporte de backup) e outras fontes, como eólicas e hidrelétricas.
Essa transformação da matriz energética global é vista como natural. “No futuro, serão as baterias que garantirão o abastecimento. E só ali, com a tecnologia à disposição, é que pode haver um decréscimo das fontes como carvão e gás”, comenta ao destacar, contudo, que na atualidade o carvão é fundamental para a sustentação energética, por sua segurança e estabilidade. “Nós tivemos o desligamento das Fases A e B, em Candiota, além da unidade de São Jerônimo no Rio Grande do Sul. Então são 500 megawatts a menos de produção termelétrica que temos que repor”, entende ao completar: “tem usinas caras, mas não são as a carvão. Estas ajudam, inclusive, a baratear a tarifa”.
De acordo com o diretor, Candiota tem capacidade, neste momento, para receber pelo menos três projetos iguais ao proposto pela empresa com duração das operações por cerca de 25 anos. A Nova Seival, inicialmente, deve operar com uma unidade de 363 MW. “São duas. Agora se será uma ou duas de uma vez depende do investimento e se o leilão contratará o montante de geração”, argumenta ao evidenciar que a vontade do governo é que determinará a amplitude de montagem da usina.
Desenvolvimento local
O projeto da Nova Seival estabeleceu, ainda, como uma das prioridades, o foco na contratação de mão de obra local para a construção e operação. Este quesito, como já visto em obras anteriores, é um dos principais motivadores do desenvolvimento regional, já que envolvem uma quantidade considerável de postos de trabalho. A previsão para a usina da Energias da Campanha, para se ter uma ideia, é que 2,5 mil vagas diretas sejam criadas ao longo da construção.
“Um dos nossos compromissos é criar um banco de dados para o cadastro de currículos. E já estamos articulando isso com as prefeituras, para priorizar a mão de obra local. Com este canal, além de recebermos currículos de forma direta, as prefeituras poderão também intermediar este contato com a empresa”, garantiu.
A expectativa, ainda, é que um total de 145 empregos diretos e outros 4.650 indiretos sejam viabilizados a partir da operação da usina, bem como mais 250 no setor de mineração.
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DADOS TÉCNICOS
A Nova Seival projeta a queima diária de 12.600 toneladas de carvão, a utilização de calcário para a redução da emissão de enxofre e a utilização de água – uma barragem será construída para garantir o abastecimento - para a refrigeração e geração de vapor para mover as turbinas.
Capacidade de geração: 726 MW (2x363MW)
Investimento: US$ 1,3 bilhão
Conexão Elétrica: SE Candiota II 500 kV (em construção, a 17KM)
Suprimento de Carvão: Seival Sul Mineração (SSM), reservas de 2GW por mais de 25 anos
Caldeira: Leito Fluidizado Circulante CFB
Custo Variável Unitário (CVU): < R$ 90,00