Saúde
Dependência digital: o impacto das redes na saúde mental e nas capacidades cognitivas
"O celular ocupa um espaço tão dominante que, para muitos, o mundo real se resume à palma da mão", observa a psicóloga Silvia Vargas
por Viviane Becker
No final de 2024, em pleno avanço da inteligência artificial, surge um alerta preocupante: pela primeira vez na história da humanidade, vivemos um processo de involução nas capacidades cognitivas. A psicóloga e coordenadora do curso de Psicologia da Urcamp, Silvia Vargas, destaca que a dependência tecnológica, especialmente do celular, vai muito além do prazer imediato ou da ativação de dopamina, como muitos acreditam.
Segundo Silvia, o vício em dispositivos móveis não se compara ao de substâncias psicoativas, como álcool ou drogas. Embora o celular estimule diversas áreas do cérebro, o impacto é mais profundo e multifacetado. "Ao contrário das drogas, que geram prazer e recompensa, o celular se tornou uma ferramenta de busca incessante por validação social", explica. Essa dinâmica pode resultar em sentimentos negativos, como baixa autoestima, inveja, tristeza e sensação de desvalia, criando um ciclo vicioso difícil de romper.
A dependência digital é amplificada pelos algoritmos das redes sociais, que criam uma "bolha" de conteúdos personalizados baseados no comportamento do usuário. Esse mecanismo reforça o senso de pertencimento a um grupo, mas, ao mesmo tempo, fomenta aversão e intolerância em relação a quem está fora desse círculo. "Isso não se trata de um uso ocasional do celular, mas de um padrão contínuo que afeta relações interpessoais, identidade e até a vida profissional", afirma Silvia.
Ela também alerta que a imersão digital pode levar as pessoas a confundirem a realidade virtual com a vida real, reduzindo a experiência do cotidiano. "O celular ocupa um espaço tão dominante que, para muitos, o mundo real se resume à palma da mão", observa. A filósofa Marilena Chauí descreve esse fenômeno como atopia — um mundo sem espaço físico — e acronia, em que passado, presente e futuro se misturam em um eterno "agora". Esse imediatismo constante desconecta não apenas do mundo físico, mas também do mundo interno, comprometendo a capacidade de processar emoções e reconhecer o que realmente importa.
Essa desconexão emocional tem sérias consequências para a saúde mental. Ao promover distrações constantes, o celular impede o processamento saudável de emoções e cria um vazio. "A busca incessante por notificações, likes e seguidores provoca um paradoxo: um sentimento de pertencimento nas redes sociais, mas um isolamento crescente na vida real", ressalta a psicóloga.
{AD-READ-3}Silvia alerta que essa desconexão pode desencadear transtornos como ansiedade, depressão e solidão, ao transformar as emoções humanas em mercadorias para consumo online. "A dependência digital vai além do prazer imediato; ela compromete nossa capacidade de vivenciar plenamente a vida e de processar o que realmente importa", reflete.
Em um mundo cada vez mais conectado, a psicóloga enfatiza a importância de refletir sobre os impactos da tecnologia na saúde mental e buscar um equilíbrio saudável entre o real e o virtual.