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Bagé também enfrentou restrições severas durante a pandemia da Gripe Espanhola

A crise provocada pela disseminação do coronavírus (Covid-19) não é a primeira pandemia enfrentada por Bagé. Em 1918, a Gripe Espanhola impôs grandes desafios à gestão de saúde pública do município, forçando a adoção de medidas restritivas semelhantes às soluções adotadas em 2020. A prefeitura chegou a determinar, por exemplo, a desinfecção das malas dos correios e dos prédios de escolas. Em um esforço para conter o avanço da doença, também foi estabelecido o uso de desinfetante na frente das casas. As autoridades ainda proibiriam bailes e apresentações em teatros e cinemas. A Expofeira, que não havia sido realizada no ano anterior, por conta dos efeitos de uma estiagem, também foi cancelada.
A Gripe Espanhola foi a mais devastadora das doenças do século 20, infectando, em aproximadamente dois anos, mais de 600 milhões de pessoas em todo o mundo. A estimativa do número de mortes chega a 40 milhões. A doença chegou ao Brasil através de navios, com os primeiros casos registrados, em solo gaúcho, no mês de outubro. Em Bagé, de acordo com o Diretor do Arquivo Público Municipal, Cláudio de Leão Lemieszek, que publicou um artigo sobre os reflexos do vírus, no Jornal Minuano, em 2018, mais de cinco mil pessoas foram infectadas. A cidade, que tinha 46 mil habitantes, encerrou 1918 contabilizando 184 mortes.
As ações de combate à Gripe Espanhola foram coordenadas pelo prefeito Tupy Silveira e pelo diretor de Saúde, doutor Monteiro Alves. Além de recomendações de profilaxia higiênica, como a troca frequente de roupas de cama, ventilação permanente e asseio total de latrinas e banheiros, conforme detalha Lemieszek, 'recomendavam-se, ainda, banhos diários, a diminuição de exercícios e a total restrição de álcool'. Alves montou um cronograma de ação bem definido, dividindo a cidade em 18 zonas, cada uma a cargo de um médico. O sistema mantinha, ainda, um plantonista na sede da prefeitura.

Receitas milagrosas
Lemieszek destaca que o uso moderado de carne e dieta à base de leite, caldo e água filtrada estavam entre as múltiplas e divergentes recomendações para tratar a doença. Também era recomendado o gargarejo com água oxigenada, o uso de mentol nas fossas nasais e algumas gotas de iodo.
Médicos não comprovavam a eficácia do quinino. “Mesmo assim, o prefeito Tupy Silveira, diante da escassez do produto, mandou buscar na cidade de Melo, no país vizinho, grande quantidade de quinino, até porque logo o valor da substância atingiu preços estratosféricos nas farmácias”, revela o Diretor do Arquivo Público Municipal.
O ambiente na cidade, ainda de acordo com Lemieszek, era de pânico. “Logo nos primeiros dias de novembro, já havia mais de mil bajeenses infectados. Em muitas residências, todos os moradores estavam infectados com o vírus da gripe, a ponto de algumas casas de comércio não poderem abrir suas portas, porque proprietários e funcionários estavam doentes”, explica.

Comissão de alimentos
Em meados de novembro, por meio de decreto, Tupy Silveira criou o Comissariado de Alimentos, que tinha a função de fiscalizar a tabela de preços dos gêneros de primeira necessidade. O colegiado também assumiu a função de distribuir alimentos à população em vulnerabilidade e abastecer os asilos da cidade. Entidades civis, como a Associação Comercial e Industrial de Bagé (Aciba), o Clube Caixeiral e a Loja Capitular Amizade do Oriente de Bagé, contribuíam com dinheiro, alimentos, e roupas. Lemieszek observa que o mesmo tipo de apoio foi oferecido pelas famílias do Visconde de Ribeiro Magalhães, de Vitorino Vieira, Roberto Silveira, Antônio Torrescassana, Manoelito Sarmento e Martim Pons, que não só emprestavam carros, como também doavam remédios e quantias em dinheiro.

Declínio da doença
A gripe cujo vírus foi 30 vezes mais letal do que a influenza conhecida até então, surgiu na segunda metade de 1918, caracterizada mundialmente pela elevada mortalidade, especialmente entre jovens. A designação "Gripe Espanhola" é associada ao fato de a imprensa, na Espanha, que se manteve neutra durante a Primeira Guerra Mundial, ter noticiado livremente a morte de civis em grande escala.
Lemieszek acredita que, em Bagé, 'a exaustão e o temor pela doença eram de tal ordem que a população sequer teve tempo ou interesse em comemorar o fim da Grande Guerra, cujo armistício entre aliados e a Alemanha fora assinado no dia 11 de novembro'. “Somente na segunda metade de dezembro, a doença entrou em franco declínio (na cidade)”, pontua.