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Colunistas

Guilherme Collares

  • Professor de Medicina Veterinária na Urcamp | Doutor em Parasitologia
  • guilhermecollares@hotmail.com

Dois Peraus

Em 30/04/2024 às 08:55h, por Guilherme Collares

Eram três! Eu vi quando eles cruzaro o váu. Conheço um, o Lautério. E ele conhece essas banda, porque vinha lá da Pedra Grande pescá.

Podem ser da força do Zeca Neto. Foram pra onde?

Oia, não sei bem. Continuei escondido na barranca do rio. Eles cuidava tudo, quieto. Seguiro estrada-a-fora, pelos lajeado. Depois que se foram, tentei segui o rastro e vi que ia dereito o lajeado grande.

Bueno, o melhor é ficar quieto aqui na encerra, sem fogo e sem barulho, ainda mais que anda um vaqueano junto. Se essa gente nos acha, se vai nossa cavalhada. Valêncio, volta pra barranca, pra ver se retornam. Nenê, tu fica aqui com os cavalos, o Julio te ajuda.

Acalma eles, não deixa relinchar. Já tivemos que soltar a rosilha velha, que tava em cio, coiceando os outros. Vou atrás dessa gente, descobrir pra onde andam.

O lugar onde montaram a encerra era perfeito. Chamavam de Dois Peraus. Um desfiladeiro por onde corria uma sanga, com quase quinhentos metros de comprimento, entre duas imensas escarpas rochosas. Olhando de fora, só se via mato cerrado. Ninguém diria que havia uma clareira bem parelha no meio daquela fundura, e com água boa, com uma entrada e uma saída, o que proporcionava escapada fácil. Conhecia aqueles campos como a palma da mão. Caçador muito hábil, rastreador de primeira. O pessoal da estância o idolatrava, e não apenas por ser filho do dono. Valêncio, Nenê, Julio, haviam sido criados com ele. Eram tratados como iguais, comiam na mesma mesa, a mesma comida e se tratavam por “tu”.

Saiu do desfiladeiro a pé, pela entrada escondida em mato fechado na parte superior, numa várzea. A noite era de lua cheia, por isso andava pelos capões de mato, sem se mostrar. Não tardou em achar os rastros da avançada, estrada-a-fora. Andou mais uns quinhentos metros e descobriu o acampamento pelo fogo. Eram três, um piquete de descoberta. Campeavam cavalhada. Cansara de escutar as histórias do velho João Mossorongo, que fazia a mesma coisa com seu pai, na revolução de 93. Esconderam cavalos naquelas encerras enquanto durou a peleia. Nas estâncias, força que chegava, roubava
cavalos e carneava gado. Agora, que seu pai já era velho e tinha gota, tocava pra ele, filho único. Primeiro em 23 e agora em 24, de novo.

Pensou bastante, escorado numa caneleira alta. Mataria fácil aqueles três. Atirava bastante de revólver. Melhor não. E também conhecia o Lautério. Estavam perto da estância, chegariam por lá. Seu pai diria, como sempre, que outras forças já tinham levado os cavalos, deixaria que carneassem alguma rês. Voltou ao acampamento da encerra.

Vamos seguir em silêncio e sem fogo. Menos mal que a noite é quente. Eles tão acampado num capão de mato, no lajeado grande. São três, mesmo. O Valêncio não deu mais notícia?

Não, Lucio. E a cavalhada tá bem quieta. Só anda um sorro desgraçado nessa volta. Comeu a presilha do meu maneador agora há poco.

Ah sim. Eles se provalecem que não podemos fazer fogo, nem atirar e nem cachorro podemos ter aqui. Mas, Julio, eu vou querer que tu monte guarda lá em cima, pra ver pra onde eles vão.

Tá certo. Vou no teu rastro e acho eles.

Não deixa te enxergarem. Essa gente é perigosa.

Nenê, eu vou me encostar nos pelegos uns minutos. Ainda falta bastante pro dia clarear. Daqui a pouco venho te render.

Nem percisa. Tô sem sono. Pode descansá, que quarqué cosa, te chamo. Tapado com o poncho-pátria, Lucio enredava o sono. Saudades da prima que namorava e já contratara casamento. Há dois meses não a via, com essa da encerra. Sabiam por parentes, de ambos os lados da revolução, dos deslocamentos de forças para aquelas bandas. Agora, andavam muito por ali. Sua gente se orgulhava de não ser da guerra. Desde o avô, todos diziam a mesma coisa: a melhor revolução se faz trabalhando. Não era por medo, muito pelo contrário, era questão de princípios.

Quase entabulando o sono, ouviu o estampido. Saltou correndo, de revólver na mão, desorientado. Não entendia de onde veio. Nenê fez com a cabeça que do lado da entrada, acima. Correram sem fazer barulho. Saíram pela várzea, ainda noite. Por dentro dos matos, se aproximaram do acampamento. Viram que Julio tinha caído prisioneiro e estava baleado, escondidos atrás das árvores, próximos a ponto de ouvirem interrogar o amigo.

Onde andam os outros, e a cavalhada? Fala, desgraçado! - Uma coronhada no rosto do preso, atado com as mãos pra trás, sentado contra uma murta grossa. Fala duma vez!

Julio cuspia sangue e gemia. Contra a luz do fogo, Lucio viu que o balaço pegara na perna esquerda, e sangrava bastante. Viu o Lautério puxar o facão.

Agora tu vai me dizê onde os cavalo do Lucio tão escondido. - Apertou a ponta da lâmina contra a perna baleada do preso, que urrou de dor. Fala duma vez, adulão do teu patrão!

Antes que se pudesse dizer um ai, um dos desconhecidos, que estava sentado num pelego, aquecendo as mãos no fogo, levantou calmamente, puxou uma pequena faca da cintura, chegou perto do prisioneiro e passou a lâmina em sua garganta. Lucio ouviu o gorgolejo sanguinolento do amigo e não pensou mais.

Bando de desgraçado! Morre, bandido!

Entrou atirando no homem da faca. Dois tiros no peito. Nenê já tinha passado o facão no outro. Lucio meteu o revólver no Lautério, que não esperava a reação e deixou cair o ferro.

Para, Lucio! Eu só tô fazendo meu serviço. O Julio não quis dizê nada. O sargento era muito mau, esse que tu matô. Eu não pude fazê nada. Num quiria matá ninguém. Não me mata, não me mata! Lucio deu dois tiros no peito do Lautério, que caiu de costas, em cima do fogo.

Dou doble e luz no zaino, lá no final da cancha.

Topo a parada. Pago quem quiser contra o meu zaino.

E já se vieram!

Ganhou o zaino de luz!

Bueno, Lucio, nos regalamos! - Nenê lambia os beiços com a plata arrecadada.

Mas é capaz que eu vou perder carreira aqui pra esses arigós da Pedra Grande.

A carpa vomitava gente por todos os lados. Era guri comendo pastel, quase todos na cerveja e uma cordeona de oito baixos num chote de levantar poeira. A revolução terminara há mais de dois anos.

Seu Lucio, eu perciso uma palavra com o senhor. - A voz trovejara sob a lona da carpa, desde um metro e noventa de altura daquele índio mal-encarado. Pois fale, nomás.

Fiquei sabendo que meu ermão Lautério sumiu numa avançada, percurando cavalo na sua redondeza. O senhor ouviu falá arguma cosa? O pessoal começou a se arredar, sentindo perigo. A tensão parecia uma corrente elétrica, percorrendo as pessoas. Cessou o alarido e não se ouvia zumbido de mosca.

Sim. Sei sim. Teu irmão fui eu que matei, com dois tiros no peito. Se quiser te levo na sepultura. Mataram um dos meus, a sangue frio, pelei ele por isso. De tão inesperada, a resposta deixou o índio atônito. Ficou olhando direto nos olhos do interlocutor.

E te digo mais. Aqui comigo estão o Nenê e o Valêncio, irmãos do morto. O Nenê estava comigo. Pode te confirmar a história. Teu irmão tava interrogando o Julio, atado numa árvore. Ele já tava baleado na perna e teu irmão ainda meteu o facão na cesura do balaço. Nisso, um tal sargento levantou e degolou o pobre, atado. Covarde! E digo pra ti e qualquer um aqui. Matei os dois e matava de novo.

Sem mais discussão, Lucio, com a mão no cabo do revólver, andou em direção ao índio, para a saída da carpa. Não houve resistência. Valêncio e Nenê o seguiram direito ao capão onde estavam acampados. E a cordeona de oito baixos no mesmo chote de antes.

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